Transamazônica: A história contada por quem viveu a história.

Publicado por: Glícia Favacho

Gouveio no Pau do Presidente


1970 - Médici ao lado da placa que registra o inicio da construção da rodovia Transamazônica - Folha-SP. A seu lado o general João Batista Figueiredo

1970 – Médici ao lado da placa que registra o inicio da construção da rodovia Transamazônica. A seu lado o general João Batista Figueiredo – Foto: Folha-SP.

Há 50 anos (1970) era lançado, nas margens do Rio Xingu, o marco inicial da Rodovia Transamazônica, com a ambiciosa meta de ser a “rodovia da integração nacional”.

Com 4.223 quilômetros de extensão, a Transamazônica é, ainda hoje, uma das maiores rodovias do mundo, atravessando sete estados (Paraíba, Ceará, Maranhão, Tocantins, Piauí, Pará e Amazonas), cortando 63 municípios e passando por três ecossistemas. Uma história marcada por grandes obras que construíram a integração do país, contribuindo para o crescimento social e econômico, e que agora será contada por quem viveu e ajudou a construir aquela que seria considerada como a maior obra projetada no coração da Amazônia durante o regime militar, a rodovia BR-230, uma obra de grandes proporções com o nobre objetivo de povoar a inacessível região amazônica.

Foto: Gestão Ambiental BR-230/PA

Dr. Gouveia no DNIT Unidade Local de Altamira

O nosso incrível personagem, Renato Nunes Gouveia, ou Dr. Gouveia como é conhecido, natural de São Luíz do Maranhão, chegou em Altamira no início da construção da rodovia, em setembro de 1970, com 31 anos. Dr. Gouveia teve uma jornada de trabalhos na Transamazônica por 40 anos, até se aposentar. Prestou serviço na rodovia Macapá – Oiapoque (BR-156) e tem uma vasta experiência em rodovias federais. Hoje, com 80 anos, continua firme em seus objetivos profissionais e, mesmo aposentado, usa sua experiência e carisma para auxiliar a nova geração do DNIT.

Formado na década de 60 em Engenharia Civil, Gouveia foi aprovado no 1º Concurso de Engenheiros Rodoviários para o Departamento Nacional de Estradas de Rodagens (DNER), hoje conhecido como Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), exatamente para a construção da rodovia Transamazônica (BR-230). Apesar de ser uma obra que buscava o desenvolvimento da região com o lema ‘Integrar para não entregar’, àquela época eram poucos que queriam vir para essa região por causa da fama da região de doenças mortais, animais selvagens e tribos selvagens até então desconhecidas. Em meio a sua narrativa, Gouveia relata a principal finalidade da Transamazônica que era a de interligar os terminais navegáveis para que houvesse o escoamento da produção. Entre os terminais hidroviários estavam o do Tocantins em Marabá, o do Xingu em Altamira, o de Itaituba com ligação a Santarém e o de Humaitá no rio madeira no Amazonas. A estrada de Vitória do Xingu (PA-415) já existia há anos e possibilitava o tráfego para a chegada até Altamira, mas não era suficiente, pois quando a carga chegava ao porto não tinha como sair dali. A Transamazônica surgiu para que houvesse esse escoamento da produção.

Aeronaves de pequeno porte pousando na Transamazônica - Foto Antônio Gaudério-Folhapress

Aeronaves de pequeno porte pousando na Transamazônica – Foto Antônio Gaudério-Folhapress

Relembrando as aventuras vividas e as dificuldades encontradas, Gouveia conta que naquela época o DNER era responsável por toda a implantação e construção da rodovia coordenando as empresas envolvidas. A partir de fotografias aéreas que serviram como referencial de estudo montou-se um mosaico definindo a implantação do projeto do traçado da rodovia Transamazônica. Essa engenhosa empreitada permitiu a continuação dos trabalhos transpondo as surpresas encontradas como: rios com larguras consideráveis, formações rochosas e montanhosas, dentre outras. A dificuldade era tão grande que apenas 10 metros penetrando na mata densa, a pessoa ficava sem rumo, pois até a visualização do sol era difícil, inviabilizando o sentido de localização humano. A mata era tão densa que alguns colegas se perdiam nos traçados, e, para localizá-los, precisavam de pistolas sinalizadoras para ajudar a descobrir a pessoa perdida na selva. As dificuldades aumentaram, a realidade naquela época era outra, não se usavam motosserras e as derrubadas eram feitas no machado e os alimentos eram atirados de pequenos aviões em intervalos pré-combinados, todos acondicionados em sacos de pano e salgados (para que não houvesse grandes perdas). “Como estávamos na linha de frente, éramos os primeiros a ficar expostos à malária, onças, cobras e até mesmo índios, mesmo contando com o total apoio da FUNAI”, relata Gouveia.

 

Residências em Brasil Novo, s.d. Fonte www.biblioteca.ibge.gov.br

Residências em Brasil Novo, s.d. Fonte: www.biblioteca.ibge.gov.br

Foram inúmeras histórias repletas de perigos e aventuras. Ele conta também que os únicos modelos de veículo que contavam na época eram a C10, o Jeep e a Rural Willys, com poeira entrando pelas portas folgadas no verão e no inverno muitas vezes entrando água. No trecho em que ficou mais de 40 anos, surgiram as primeiras cidades como Rio Repartimento (que com o tempo virou Novo Repartimento porque foi inundada com a construção da Hidrelétrica de Tucuruí, mudando também o eixo da rodovia Transamazônica), Pacajá, Anapu e assim por diante. “Lembro que a primeira coisa que se fez foi uma pista de pouso em Altamira com 600 metros, com isso, a manutenção vinha de avião de Marabá. Naquela época existiam algumas pistas de pouso ao lado da rodovia que serviam de apoio nas etapas construtivas”. No que se referem aos travessões, os colonos tinham apoio direto das agrovilas, e essas agrovilas tornarse-iam em cidades. Isso só aconteceu em 50% dessas localidades, como é o caso de Rurópolis. Segundo Gouveia, o DNER não tinha relacionamento direto nem com a população nem com os índios, que eram atendidos pelo INCRA e pela FUNAI, respectivamente.

Aos 77 anos Dr. Gouveia ainda auxilia nos trabalhos do DNIT, demostrando que a somatória de experiência, aventuras, sofrimentos e realizações entranharam em sua vida de forma permanente, impedindo que, mesmo aposentando, abandone a missão que a vida lhe destinou. O que deixa orgulhosos todos que fazem parte do órgão.

Foto: Glícia Favacho - Gestão Ambiental BR-230/PA

Dr. Gouveia no marco inicial da rodovia Transamazônica, em Altamira, inaugurado no dia 9 de outubro de 1970

Glicia Favacho

Programa de Comunicação Social

rodovia Transamazônica BR-230/PA