Resgate Histórico – Pioneiro da Transamazônica

Publicado por: Glícia Favacho

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Benedito Sousa Xavier, mas conhecido como Bené.

Benedito Sousa Xavier, mas conhecido como Bené.

Com 50 anos de existência, a Unidade Local DNIT Marabá vem acumulando histórias de pessoas que ajudaram a construir o sonho da implantação e pavimentação da rodovia Transamazônica (BR-230/PA). E uma dessas pessoas é Benedito Sousa Xavier, mas conhecido como Bené, o funcionário mais antigo dessa autarquia. Nascido no Rio Grande do Norte em Mossoró, Bené conta que chegou no Pará por volta dos anos 50, quando seu pai foi transferido para trabalhar na ferrovia Carajás-Itaqui. Veio juntamente com 9 irmãos, que atualmente estão espalhados pela região de Belém e Capanema.

     Iniciou sua vida em rodovias em 1964, pela Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). Passou um período no Rio de janeiro e retornou novamente para o Pará, desta vez pela Rodobras, responsável pela construção da Rodovia Belém-Brasília (BR-010 ou Rodovia Bernardo Sayão), cujos trechos eram em grande parte selva até então impenetrável. Para vencer a imponência selvagem e emaranhada da Amazônia, foi necessário tomar a frente dos trabalhos, correndo riscos diante das muralhas verdes que escondiam muitas riquezas até então inexploradas.

     Bené conta que quando chegou, não existia Transamazônica nem a BR-422 (Tucuruí) que naquela época era PA -70, iniciada em 1969, logo em seguida iniciou a Transamazônica. “De Marabá para Altamira não tinha nada, eu vim para a abertura no final de 1970. Marabá era uma vila com 12 mil habitantes na época, nós saímos no carro de Marabá e fomos para Ubacaba, em um trecho de 60 km, aqui colocaram uma balsa para atravessar com equipamentos e seguiu em frente. Naquele tempo você saia aqui de Marabá e chegava na então agrovila de Itupiranga, na época 6 km pra dentro da mata. Daqui pra Altamira era só selva inexplorada”, relembrou.

     Falando de suas aventuras, nosso personagem lembra que no km 80 Marabá/Repartimento, existiam tribos da etnia Parakanã, com pouco contatos com humanos, “você saia margeando por dentro e passava por Repartimento “velho”, hoje submersa pela hidrelétrica de Tucuruí que só seria construída 15 anos depois em 1985. De Repartimento velho você seguia para Altamira rasgando a floresta”.

     De acordo com Bené, as primeiras implantações para atender o público na Transamazônica foram os postos BR, da Petrobrás, instalados a cada 100 km próximos as vilas da Divisa, Araguatins, Cajazeiras, Repartimento velho, a ponte do rio jacaré e assim sucessivamente. “As travessias, quando não eram em pinguelas, eram em pequenas balsas, com trator puxando de um lado e do outro, com cabos de aço. Assim acontecia nos vários rios: Cajazeiras, Arataú, Pacajá e Anapu!”.

     Segundo ele, além da implantação da rodovia, viu a chegada das pessoas e suas acomodações ao longo da estrada, em casas de tapiri seguindo um processo de colonização, “íamos abrindo a estrada e as pessoas se instalado. Do Araguaia até Altamira vieram imigrantes do norte e nordeste em sua maioria e de Altamira para frente vinham do sul do país”.

     Falando dos desafios, Bené diz que “as maiores dificuldades que enfrentávamos nas aberturas eram na parte da saúde, tínhamos acampamentos montados, mas faltava muita coisa como hospitais e medicações por exemplo. Se alguém adoecesse tínhamos que transportar por longas distâncias, o risco mais eminente naquela época era a malária e a febre amarela, além dos incômodos com o mosquito pium. Assim que cheguei, adoeci de malária. Fique muito mal! Me curei com remédio caseiro feito por uma moradora da região, era um chá de ervas da Amazônia, depois disso nunca mais peguei malária”.

     Dos conflitos indígenas, Bene falou que “próximo a cidade de Repartimento foi construído um alojamento da construtora Mendes JR, os índios costumavam entrar no acampamento e levar tudo. As aldeias eram as margens do rio Tocantins, eles vinham pelos igarapés, chegavam de surpresa, colocavam todos para correr e se apossavam dos materiais e objetos dos funcionários. Nunca tínhamos embate, sempre evitávamos o confronto”.

     Sobre a importância de integrar a Amazônia, ele ressalta que “na época do regime militar, ou construíamos a Transamazônica ou iriamos entregar as nossas riquezas para outros países que já vinham invadindo nossas terras há muito tempo. Só podíamos fiscalizar através da navegação, e a Transamazônica foi a solução encontrada para integrar o povo, colonizar terras desprotegidas e dar ao povo brasileiro a posse de nossas riquezas. Na época não tínhamos impedimentos ecológicos, e as derrubadas eram legais e necessárias”.

     O avanço das obras foi muito rápido, “tínhamos muito equipamentos fornecidos pela construtora Mendes Jr que pegou o trecho de Araguaia ao Belo Monte. Já a construtora Queiroz Galvão pegou de Belo Monte a Placas e da construtora Rabelo de Placas até Palmares. Essas empresas tinham muitos equipamentos e não se opunham a trabalhar noite e dia”.

     Sobre sua experiência continua Bené, “tenho 56 anos de órgão público. Eu entrei com 17 anos na EXPEVIA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia que após originou a SUDAM), isso em 26 de abril de 64. Desde então, estou nessa luta de desbravar a floresta, vi muitos bichos selvagens, tínhamos que ter espirito de guerreiro para nos defender dos animais que estavam apenas no habitat deles”.

     Como curiosidade, Bené nos conta que “vários nomes de povoados foram criados durante a construção da estrada, por exemplo em um certo lugar da floresta havia muitas dificuldades, a turma da topografia que ia na frente se deparava com onças, cobras e índios selvagens, e um dos  operários com medo gritou “Valha me deus” nós vamos morrer nesse lugar! Daí surgiu o nome desse lugarejo, situado poucos quilômetros depois de Altamira. Muitas coisas dificultavam as nossas tarefas. Morreu muita gente nessa aventura, como malária febre amarela e incidentes com animais”.

     Numa época de início da conscientização indígena, ele fala com orgulho “sempre tive um modo cuidadoso ao tratar com os indígenas e com isso tenho um relacionamento muito respeitoso com eles. Sempre me envolvi na solução de problemas com os índios, sempre apaziguando conflitos, pois com o índio o que prevalece é a verdade, precisamos falar duas ou três vezes com calma e ganhar a confiança deles. Tenho desenvolvido durante esses 50 anos muitos trabalhos de convencimento nos acessos indígenas. É uma sociedade que trabalha muito na palavra, não gostam de mentiras. Eu faço muito essa parte social, sempre faço doação e mantenho a uma relação de muito respeito com os indígenas”.

     Nos conta que “na época, as necessidades dos imigrantes eram supridas pelo governo que bancava, fazia casas, doava cestas básicas para o povo que veio se instalar, deram subsídio para eles ficarem. No início, as pessoas trabalhavam nas fazendas, mas moravam nas agrovilas. Na época tinha arroz, cana de açúcar e mandioca plantado pelos próprios moradores. As fazendas eram distantes da rodovia, 5 km pra dentro, não existiam as vicinais”.

    Sobre a relação com os trabalhadores e metodologia de contratação de mão de obra da época, comenta que “o pagamento dos funcionários acontecia no próprio DNIT, outros preferiam mandar para suas famílias, de forma bancaria. Em 74 houve o primeiro concurso para o DNER, que até então não existia, se o funcionário falecesse assumia era o filho mais velho, a meta do governo federal era assim, a ideia era para continuar o sustento da família”.

      E completa “eu, com 74 anos de vida, ainda enfrento uma área dessa sem reclamar, o dia que eu não me sentir bem, abandono. Junto com meu amigo Gouveia, outro pioneiro do DNIT, vimos a primeira rua de Altamira ser asfaltada, isso nos anos de 76 a 77, fazendo parte dessa historia”.

     Cada cidade que foi criada com a Transamazônica, Bené faz questão de lembrar “eu participei dos plebiscitos de cidades como Uruará, Pacajá, Anapu, Tucumam e Ourilândia. Em todos estive presente”.

     Perguntado sobre a continuidade, mesmo com 74 anos, afirmou “pretendo ainda contribuir com minha experiência, e me sinto muito feliz e realizado na vida como funcionário público, eu amo o que faço, acredito que com essa idade, com o entusiasmo e a saúde que tenho, ainda consigo contribuir muito”.

     Com um sorriso humilde no rosto, Bené finaliza dizendo “Hoje, ao longo da vida nessa Transamazônica, sou muito respeitado devido ao meu conhecimento, porque muitos sabem do meu trabalho, vou deixar um legado de lutas, aventuras e amizades que é o meu orgulho”.

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